Mesmo sendo a maioria da população brasileira, as mulheres estão longe de atingir a paridade nos legislativos ou mesmo nos espaços decisórios de poder. Como mostra Biroli (2018, p. 176), a presença reduzida de mulheres em cargos eletivos é mais acentuada no Brasil do que na maior parte do mundo. Essa baixa representatividade fica evidenciada no ranking global feito pela Inter-Parliamentary Union (IPU), que coloca o Brasil na 154ª posição, com 10,7% de mulheres na Câmara dos Deputados e 14,8% no Senado Federal.
No Paraná essa baixa representatividade é ainda mais evidente quando observamos que ele foi o último estado brasileiro a eleger mulheres para a Câmara dos Deputados. Somente em 2003, a bancada paranaense, composta de 30 parlamentares, passou a ter a presença de mulheres. Em 2002 foram eleitas Dra. Clair e Selma Schons. Em 2007 o estado voltou a ter uma bancada exclusivamente masculina, pois nenhuma mulher foi eleita em 2006. Em 2010 e 2014 foram eleitas duas mulheres, em 2018 a bancada feminina aumentou para cinco e em 2022 quatro mulheres conquistaram uma vaga na Câmara dos Deputados.
Na Assembleia Legislativa, a eleição da primeira mulher deputada estadual, Rosy de Macedo Pinheiro Lima (1914-2002), se deu em 1947. Porém, a presença feminina no Legislativo Estadual só se consolidou a partir de 1982. Desde então, a eleição de mulheres foi constante, mas nunca ultrapassou o percentual de 10% de representatividade.
Chama atenção, portanto, o aumento considerável de mulheres eleitas para a Assembleia Legislativa do Paraná nas últimas eleições, que passou de quatro em 2018 (uma suplente assumiu o cargo completando uma bancada de cinco mulheres) para 10 em 2022, chegando a 18,5% das cadeiras (são 54 no total). Esse aumento colocou o Paraná, ao lado de Rondônia, que aumentou a bancada feminina de duas deputadas para cinco, no topo do ranking dos estados que mais aumentaram, em percentual, a bancada feminina nas eleições de 2022.
Nesse contexto de sub-representação feminina, a eleição de 10 deputadas estaduais no Paraná é um fato inédito no estado. Esse percentual é maior que a média nacional que em 2022 ficou em 17,46%, tendo sido eleitas 185 mulheres para um total de 1059 vagas para parlamentares estaduais e distritais. Já na Câmara dos Deputados, segundo a Agência Câmara de Notícias (2022), as mulheres representam 17,7% das cadeiras, com um total de 91 parlamentares em um universo de 513 cadeiras.
Biroli (2018) afirma que essa sub-representação feminina não é fruto de diferenças, mas, sim, de desigualdades que são atualizadas pela própria sub-representação. Para a autora, portanto, a sub- representação é um problema da democracia e não um problema de mulheres. “Além de compreender as causas dessa sub-representação, é preciso analisá-la como um elo importante na reprodução de outras injustiças. A legislação e as políticas públicas são produzidas em um ambiente amplamente masculino e branco.” (BIROLI, 2018, p.208).
A legislação eleitoral brasileira estabelece desde 1997, e de forma obrigatória desde 2009, um percentual mínimo de candidaturas para cada gênero, a chamada cota de gênero, de 30%, para as listas de candidaturas proporcionais. Esta cota, impreterivelmente, até as últimas eleições, representa o percentual de mulheres que compõem as chapas. Além da cota de candidaturas, o regramento eleitoral brasileiro tornou obrigatória a partir das eleições de 2022, com a promulgação da Emenda Constitucional 117 (originária da PEC 18/2021), a destinação de no mínimo 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas. A cota vale tanto para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Fundo Eleitoral), como para recursos do Fundo Partidário direcionados às campanhas. Os partidos também devem reservar no mínimo 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão às mulheres.
No entanto, a maioria dos partidos ainda encontra dificuldades para fechar chapa completa devido ao baixo número de mulheres candidatas. Isso é reflexo sobretudo de uma estrutura patriarcal, machista e misógina, que, como destacou Panke (2016) insiste em destinar ao homem o estereótipo de herói forte, “relegando às mulheres o papel de administradoras somente se ‘tudo está bem’, ou seja, incapazes de governar em momentos de crise”. (PANKE, 2016, p. 67). Nesse contexto, as cotas viriam para assegurar o espaço da mulher na política, independentemente de momentos de crise ou de tranquilidade nos governos.
Dados da pesquisa Ibope/Instituto Patrícia Galvão “Mais Mulheres na Política”, realizada em 2013, trazida por Melo (2014), que apontavam que 74% da população concordava que só haverá democracia de fato com a presença de mais mulheres nos espaços decisórios de poder. (OROZCO (organização), 2014, p. 21)
Portanto, um dos desafios da democracia, e não só do feminismo, é defender o reconhecimento da mulher como um ser humano capaz de atuar em sociedade e ocupar espaços decisórios na construção de políticas públicas, independentemente da área desejada.
A perpetuação do machismo é determinante na dominação masculina nos espaços políticos. Exemplo claro é a falta de compromisso dos partidos com a maior representação das mulheres na política tanto nas instâncias partidárias, uma vez que as executivas das agremiações são espaços quase que exclusivos de homens, em sua maioria brancos, quanto nas disputas eleitorais, onde as mulheres são tratadas como cotas, que precisam ter candidaturas homologadas para garantir o maior número de homens nas chapas.
“Essa forma de dominação acaba reprimindo e inibindo a participação da mulher na política, pois apresenta maneiras sutis (e, às vezes, explícitas) de denegrir o potencial feminino, como piadas, risos, gritos, silenciamento e indiferença”. (PANKE, 2016, p. 36).
Não à toa, Citeli (2014) afirma que as instituições sociais que mais colaboram para manter desigualdades de poder entre sexos são a família, a escola, as igrejas, o Estado e a política partidária. “Além das já mensionadas instituições, todas reconhecidamente capazes de excluir as mulheres dos espaços e símbolos de poder, os partidos políticos jogam papel decisivo na arena mais refratária para a inclusão de mulheres: a política eleitoral”. (OROZCO (organização), 2014, p.83)
Toda esta estrutura cristalizada se traduz em parlamentos bem menos plurais que a sociedade brasileira, como evidenciam Salgado e Silva (2021). “Embora o sistema de representação proporcional tenha como princípio fundador a projeção da sociedade no parlamento, outros mecanismos – normativos e culturais – têm funcionado como entraves à representação dos grupos minoritarizados.” (SALGADO; SILVA, 2021, p. 5).
Mudar essa realidade exige luta, conscientização de toda a sociedade e muita disposição. Que o aumento de mais de 100% da bancada feminina da Alep sirva de meta para todos os parlamentos municipais em 2024. Nas duas últimas eleições, 2016 e 2020, Curitiba elegeu oito vereadoras para um total de 38 vagas. Não é sonhar demais elegermos uma bancada de 16 mulheres, ou 19 e, assim, atingirmos a paridade no Legislativo da Capital Paranaense!
*Marcia Raquel é jornalista, assessora de imprensa parlamentar e Secretária de Comunicação da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini no Paraná.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIROLI, F. Gênero de desigualdades: limites da democracia no Brasil. Boitempo, 2018.
OROZCO, Y.P (organização). A presença das Mulheres nos Espaços de Poder e Decisão.
PANKE, L. Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Ed. UFPR, 2016.
SALGADO, E. D.; SILVA, D. M. (organização). Representação política feminina e campanha eleitorais de mulheres. Observação sobre as eleições municipais de 2020 em Curitiba e em Natal. Curitiba: Ed. Íthala, 2021.