Os suinocultores do Paraná seguiram firmes, ao longo de 2023, em uma caminhada rumo à saída da crise que assola a cadeia desde 2021. Mesmo com a melhoria no valor do animal pago pelas empresas integradoras, o resultado ainda está longe de ser lucrativo para os pecuaristas. Para se manter na atividade, suinocultores precisam queimar gordura, segurar investimentos e até deixar de fazer algumas manutenções na propriedade para fechar as contas. Este cenário está detalhado no levantamento dos custos de produção da suinocultura, realizado pela Sistema FAEP/SENAR-PR, em novembro.
“O levantamento de custos de produção tem uma série histórica com mais de 12 anos de dados. Nós investimos sistematicamente nisso porque conhecer quanto custa produzir faz parte da gestão de qualquer propriedade rural. Esses números são cruciais para a tomada de decisão, avaliação da saúde do negócio e para subsidiar as negociações a nível de Comissão para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração [Cadec]”, sinaliza o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette.
Para a presidente da Comissão Técnica (CT) de Suinocultura da FAEP, Deborah Gerda de Geus, o ano de 2023 começou preocupante e termina “menos pior”. Apesar da reação nos repasses aos suinocultores, o cenário ainda traz apreensão, na visão de Deborah, pois a maioria das granjas está com as contas no vermelho. “O setor segue em alerta, pois existem especulações de que os grãos podem subir, dependendo do resultado da próxima safra. E temos ainda outras questões, como o gargalo histórico da falta de mão de obra, os altos custos com energia, a economia do país que segue com demanda em baixa e a conjuntura internacional”, resume a dirigente.
Terminação como pior resultado
Dentre as fases produtivas analisadas, a terminação registrou os piores resultados para o saldo sobre o custo total de produção. Na região Oeste, o produtor integrado contabiliza prejuízo de R$ 24,15 por suíno terminado. Os integrados nos Campos Gerais também amargam rombo de R$ 20,46 por cabeça.
Em Toledo, no Oeste, o valor recebido por suíno cobre apenas os custos variáveis, o que reflete diretamente na continuidade do produtor na atividade a longo prazo. Essa é a situação da pecuarista Geni Bamberg, que aloja 1,7 mil animais no sistema de terminação em uma propriedade de cinco hectares.
“Para nós, foi um ano positivo porque houve melhorias, conseguimos reajustes na remuneração junto à integradora a nível de Cadec”, avalia Geni. “Mas ainda seguimos com dificuldades. Temos que deixar de lado até mesmo algumas manutenções menos urgentes, como a trocas de equipamentos que vamos remendando, sem fazer benfeitoria na estrutura”, relata a produtora.
Geni encontra problemas para gerenciar a mão de obra, um dos principais gargalos enfrentado pelos suinocultores. Ela não consegue contratar um funcionário fixo e precisa recorrer a diaristas – disputados na região e nem sempre com disponibilidade. Diante deste cenário, Geni e o marido realizam as atividades na propriedade. “A gente precisaria ampliar a granja, para ter remuneração melhor e poder dividir com algum colaborador fixo, ou ainda atrair uma das nossas duas filhas que poderiam terminar os estudos e se interessar em voltar para a granja. Mas, nesse momento, não há viabilidade econômica para isso”, lamenta Geni.
Segundo o suinocultor Paulo Moresco, de Ipiranga, na região dos Campos Gerais, as dificuldades encontradas na atividade são ainda piores para quem está há mais tempo na atividade. “Hoje, o produtor antigo não tem condição de melhorar sua infraestrutura, fazer as reformas necessárias e adquirir novos equipamentos. Quando entram novas tecnologias, ele não consegue acompanhar”, observa.
Há 23 anos na atividade, Moresco aloja 1,8 mil suínos em fase de terminação. “Minhas estruturas ficaram velhas, tenho que me atualizar”, afirma o produtor, que investiu cerca de R$ 120 mil para automatizar suas granjas e, assim, reduzir a necessidade de mão de obra. “Mas para os produtores pequenos, sem escala, é inviável fazer melhorias como essas nas granjas”, avalia.
Prejuízo ainda dá o tom
O resultado dos produtores está alinhado com os números do levantamento de custos de novembro, que mostram, de modo geral, um saldo insuficiente com a venda dos lotes para cobrir os custos de produção. Dentre todas as fases e regiões analisadas, nenhum modal produtivo obteve saldo acima dos custos totais e apenas a UPD nos Campos Gerais conseguiu cobrir os custos operacionais.
“Hoje, a suinocultura integrada expressa inviabilidade produtiva e, a curto e médio prazos, o produtor que não tiver reservas ou outras fontes de renda para cobrir os prejuízos tende a deixar a atividade”, analisa Nicolle Wislek, técnica do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR, responsável por acompanhar a cadeia de suínos.
Apesar das perspectivas negativas, a atividade apresentou melhoria em 2023 em relação aos anos anteriores. A produção entre janeiro e setembro foi 1,9% maior em relação ao mesmo período de 2022. No mesmo movimento, as exportações de suínos tiveram aumento de 8% entre janeiro e outubro. “Durante a realização dos painéis identificamos alguns sinais de recuperação da atividade, como, por exemplo, aumento no número de fêmeas alojadas nas granjas, diminuição no tempo de intervalo de lotes e, principalmente, retomada no peso de abate padrão”, relata Nicolle.
Crise nos leitões
Ricardo Adams, de Toledo, na região Oeste, aloja 10,3 mil animais em três barracões, no sistema crechário. A propriedade possui cinco funcionários, número que Adams considera o mínimo para garantir os índices zootécnicos satisfatórios. Em 2023, os negócios melhoraram, mas os repasses ainda precisam de reajustes para as contas ficarem no azul. “Ainda precisa de cautela para fazer investimento e melhorar a propriedade. Estamos envolvidos na Cadec e há negociações para conseguirmos melhorias”, aponta o suinocultor.
Diante da preocupação com o andamento da safra de grãos, o pecuarista espera que 2024 siga o ritmo de otimismo. “Se continuar estáveis os valores da soja e do milho, o custo de produção vai baixar e melhora para o suinocultor. Mas o fato preocupante é a escassez de chuva no Mato Grosso, que pode afetar a produção de grãos em 2024, atingindo em cheio o custo de produção, levando os resultados a patamares
negativos”, resume Adams.
A situação está parecida na propriedade de Eloi Favero, em Toledo, que mantém 800 matrizes em uma Unidade Produtora de Leitões (UPD), com um total de seis funcionários. Para o pecuarista, 2023 foi um ano de avanços, mas as contas ainda não estão fechando. “Deu uma pequena recuperada, mas nada de extraordinário”, resume. “O mercado ainda está se equilibrando e temos uma oferta alta. Além disso, ainda não estamos conseguindo vender para novos mercados mesmo com o reconhecimento do Paraná como área livre de febre aftosa sem vacinação”, problematiza.
Exportações em queda
De janeiro a junho deste ano, o Brasil enviou ao exterior 791,5 mil toneladas de carne suína, conforme números da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). As projeções de mercado apontam para um acréscimo de 10% em volume de janeiro a dezembro de 2023, em comparação com o período equivalente do ano anterior.
De acordo com dados da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS), 55% das exportações brasileiras tinham destino à China em 2021. Esse percentual caiu para 36% em 2023, diante da recuperação da crise interna causada pela epidemia de Peste Suína Africana (PSA) em seu rebanho. Ainda, os resultados econômicos menores do que os esperados desaceleraram as compras chinesas de uma série de produtos, como a carne suína.
Na avaliação do vice-presidente da CT de Suinocultura da FAEP, Wienfried Matthias Leh, que atua no regime de produção independente, existe um excedente na produção mundial, que acaba por derrubar as margens dos produtores. “A partir de 2018, do primeiro surto de PSA, a China saiu comprando e pagando caro pelo suíno. Isso criou uma confusão no mercado mundial. O mundo, preocupado em suprir o mercado
chinês, produziu acima da necessidade”, analisa.
Segundo Leh, enquanto não conseguirmos regular essa oferta, “vai continuar esse sofrimento”. Na avaliação do suinocultor, nem mesmo o status de área livre de febre aftosa sem vacinação, conquistado pelo Paraná em 2021, é capaz de amenizar o problema. “Não basta ter status sanitário e menor custo de produção do mundo para ter o mercado [internacional] na mão. Existe um protecionismo, barreiras tarifárias que não permitem que nós sejamos fornecedores exclusivos”, explica.
Levantamento foca relações de integração
Para calcular os custos de produção da suinocultura, o Sistema FAEP/SENAR-PR promove duas reuniões por ano com suinocultores, revendas de insumos, representantes da agroindústria, instituições financeiras e demais agentes do setor, nas principais regiões produtoras do Estado. Nestes encontros ocorre a apuração dos custos de uma propriedade modal, ou seja, tipo de propriedade que mais se repete naquela região, de modo a compor o retrato mais fiel daquela realidade produtiva.
Pela segunda vez em 12 anos, esses painéis foram realizados de forma exclusiva com os membros das Cadecs, formalizadas junto a cada unidade produtiva das empresas integradoras. Os produtores independentes e cooperados não fazem mais parte deste levantamento.
O principal benefício do levantamento dos custos de produção é a possibilidade de municiar os produtores integrados com dados econômicos reais sobre a atividade para futuras negociações junto às integradoras, que ocorrem por meio das Cadecs.
Segundo o produtor Gilberto Rentz, que aloja 2,7 mil suínos na fase de crechário em Piraí do Sul, nos Campos Gerais, e integrante da Cadec formada junto à agroindústria da região, o trabalho realizado pela FAEP traz vantagens na hora da negociação. “A gente leva estes custos para serem discutidos com a integradora. É um embasamento importante que ajuda na argumentação, sem ser impositivo”, destaca.
Energia solar ajuda a reduzir custos
Historicamente, a energia elétrica é um custo que mais pesa no bolso dos produtores de suínos. Com o incentivo para o uso de fontes de energia renovável dentro das propriedades, com participação direta nas reivindicações do Sistema FAEP/SENAR-PR junto ao poder público, parte dos pecuaristas está investindo em projetos de geração de energia fotovoltaica. De 2017 a 2023, o número de propriedades rurais paranaenses que passou a contar com esse sistema ou com usinas de biogás decolou de apenas 47 para mais de 25,6 mil. Uma parte do sucesso envolve o Programa Paraná Energia Rural Renovável (Renova Paraná), lançado em julho de 2021, que impulsionou a instalação de conjuntos de painéis fotovoltaicos e de biodigestores no campo.
Desde julho deste ano, Geni Bamberg colocou em funcionamento um conjunto capaz de gerar, por meio do sol, 1,2 mil kW/h por mês na propriedade. A benfeitoria custou R$ 50 mil, por meio do financiamento do Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Renova Paraná, a juro zero. “Vamos pagar a primeira prestação somente em 2025. Antes, a conta dava R$ 500 por mês e agora pagamos R$ 20 de tarifa. Bem acessível para quitar as parcelas. Um excelente negócio”, compartilha.
A presidente da CT de suinocultura, Deborah Gerda de Geus, revela que muitos suinocultores pelo Estado têm seguido esse mesmo caminho. “Temos um movimento de investimentos em painéis de energia fotovoltaica. Os produtores estão visando ter uma fonte de renda no médio e longo prazos, para colher os frutos daqui seis ou sete anos”, avalia.
O ano de 2023 iniciou com significativa queda nos preços de soja e milho, decorrente da safra altamente produtiva, preços internacionais em queda e recuo do dólar. Essa conjuntura fez com que o custo de produção para os suinocultores tivesse retração, melhorando, apenas no segundo semestre, as margens que vinham no vermelho havia três anos. O momento de crise na suinocultura é evidente, porém com notáveis sinais de recuperação. Observamos que na maior parte dos modelos analisados houve melhoria nos saldos dos custos produtivos, porém todos com resultados negativos no custo final.
Os resultados se resumem em um suinocultor sem dinheiro para capital de giro, com aumento significativo em custos variáveis e somado à depreciação da propriedade – esta sem manutenções e possibilidade de investimentos. Esse retrato é o clássico cenário da integração de suínos no Brasil.
Há anos, o Sistema FAEP/SENAR PR apresenta esse resultado, e não se vê mudança de conduta nas agroindústrias. As multinacionais conquistam novos integrados com conceitos de que a integração é a melhor realidade produtiva. Com pagamentos que cobrem apenas as despesas mensais, ou seja, os custos variáveis de cada lote, iludem o produtor que a rentabilidade está favorável. Porém, quando as contas começam a aparecer no papel, o integrado percebe que não consegue manter caixa, e a sua propriedade está cada vez mais depreciada, sem condições financeiras para manutenções, ampliação e reformas. Hoje, a suinocultura integrada expressa inviabilidade produtiva e, a curto e médio prazos, o produtor que não tiver reservas ou outra atividade para cobrir os prejuízos, tende a deixar a atividade.
(Por FAEP)