No Dia do Professor, professora de Chapecó diz: “Hoje um chocolate é suficiente”
Opinião
Publicado em 12/06/2024

Meu 15 de outubro amanheceu tentando superar seu próprio significado, procurando explicar o paradoxo de sentimentos que abriga o coração destes seres de olhos frios, sanguinários, irredutíveis, chatos, exigentes, cruéis, moralistas, mal humorados, pobres e bregas: os professores!Nós fazemos piada de alminhas inocentes que julgam sabermos tudo e ficamos apavorados quando não aprendem tudo. Perdemos a paciência quando conversam e nos afligimos quando não falam. Brigamos quando são crianças irresponsáveis e brigamos ainda mais quando se consideram maduros e crescidos. Exigimos que deixem de ser preguiçosos e trabalhem, e no minuto seguinte estamos implorando: “Pelo amor de Deus parem um pouco”.

Gritamos enquanto pedimos silêncio, choramos e rimos, nos sentimos eufóricos e cansados, esperançosos e decepcionados, desistidos e perseverantes, tudo no mesmo dia. Nossa profissão é um caldeirão de espantos sociais que traz a criança – ser que expressa exatamente aquilo que vive, tudo de melhor e de pior que há no mundo: família. Neste contexto de perplexidades, o que para alguns é espetáculo, para nós é convocação, através da qual cremos que vale a pena ser professor, que é necessário, que é urgente.

Não com a pretensão de alguém que se julga ser um herói. Pelo contrário, antes que pudéssemos salvar a nós mesmos, fomos possuídos pelo dever de criar heróis. Aliás: salvar heróis. Melhor dizendo: despertar heróis. Heróis que sejam capazes de salvar a si mesmos do mundo caso não consigam salvar o mundo.

O método começa enchendo o quadro, o saco e os horários de lazer. Depois nos tornamos pai, mãe, investigador, palhaço, guarda de trânsito, bombeiro, árbitro de MMA, Assistente Social, Chuck Norris, herói, vítima, vilão, consultor amoroso, e até Personal Stylist de mocinhas da saia curta. Nos corredores de uma escola, em meio ao cheiro barulhento de humanos em plena formação, movendo engrenagens nesta fábrica de transformadores, é onde encontramos o oxigênio que precisamos pra viver.

Continuamos, apesar do obscurantismo intencional do desprezo dos que moram lá fora. Temos consciência que somos responsáveis pelo instrumento social, político e religioso mais relevante de todos os tempos: o saber. O ideal que nos move, em cada sinal de entrada, nos faz estufar o peito e puxar fila no silêncio soberbo de quem está acima, pelo simples fato de não comungar com o demônio da indiferença. É uma vitória invisível, poucos a reconhecem.

Neste cenário caótico, tudo é sobre vocês. professor avalia volume de conhecimento, alunos legitimam aquilo que nos propusemos a ser. Professor passa, como uma estação necessária da vida, alunos ficam, moram, deixam marcas em nós através dos cabelos brancos, da coleção de doenças psicossomáticas, do cansaço emocional, físico e mental, mas principalmente de sonhos, esperanças e expectativas do futuro que aspiramos construir através de cada um de vocês. Nós vivemos a angústia de um semeador que espera o romper dos primeiros brotos contra o mundo da escuridão.

Esperamos, mas não na pura espera. Somos filhos de Freire, filhos do ato, por isso “esperançamos”. Torcemos, lutamos e sofremos, não por alunos, mas por futuros professores, médicos, pais, cidadãos, presidentes, artistas, cozinheiros, escritores, agricultores… Cremos no futuro esperançando no presente. Precisamos que sejam melhores do que a geração que conseguimos ser. Visionamos o dia em irão alcançar além do que o farol da nossa pedagogia foi capaz de apontar.

Sabemos que há em vocês algo maior do que dizem as portas dos banheiros, os muros da escola, a tristeza de alguns pais, ou notas de boletim. Nos atrevemos à expectativa de que sejam em direção a vida, o mesmo desespero urgente e selvagem que são todos os dias em direção ao portão de saída. Abrimos caminho para que vocês passem nos portões, passem de ano, sejam aprovados na vida, adiantem-se à própria história.

Nos despedimos de cada ano letivo sem jamais termos nos despedido de vocês. Continuamos assistindo suas vidas, torcendo para que vençam, nasçam, acordem, brotem e cresçam se rebelando contra todas as expectativas de subserviência que tenta fazer com que sejam qualquer coisa diferente daquilo que devem se tornar. A vida de vocês é o nosso “Feliz Dia do Professor”. No dia 15 de outubro, chocolate é suficiente.

 

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