Os 50 anos não oficiais do Plano Real
Opinião
Publicado em 03/08/2024

Alceu A. Sperança

 

 

 

O Plano Real, oficialmente, completou 30 anos, mas a verdade é que há três décadas ele apenas foi aplicado. Sua origem, o plantio da semente, foi em 1974, via voto popular.

 

Com o País em frangalhos, deu-se nesse ano a derrota acachapante do regime ditatorial nas eleições para o Senado. A oposição, na época abrigada no único partido opositor permitido, o MDB, elegeu 16 senadores contra 6 do partido de apoio à ditadura do 1º de abril, a Arena.

 

Um dos senadores eleitos pela Arena, o usineiro Teotônio Brandão Vilela, leu os resultados arrasadores das eleições e o comunicou ao presidente não eleito da época, o general Ernesto Geisel: o povo estava insatisfeito com a tecnocracia ditatorial. Reclamava democracia e redistribuição de renda.

 

Como você não convence quem está saboreando o poder de que ele está errado, Vilela formou uma frente pela redemocratização em torno do Projeto Brasil (https://x.gd/draxz). Se a eleição de 1974 foi a mãe, o Projeto Brasil foi o pai da atual Constituição e do Plano Real.

 

Diante da indiferença do governo, Vilela, o Menestrel das Alagoas (https://x.gd/QmpEz), iniciou admirável pregação por todo o país. Só foi interrompido pelo câncer que o mataria em 1983, quando o governo também estava ferido de morte, arrasado mais uma vez pelas eleições do ano anterior.

 

 

 

Mudar para permanecer

 

Também um arenista que aderiu à oposição, o senador José Sarney foi "eleito" vice na chapa presidencial indireta de Tancredo Neves, assumindo a presidência depois da morte do titular.

 

As trucagens para manter o regime sem mudá-lo na essência deram em uma enxurrada de planos impostos a pauladas pelo governo na década dos restolhos da ditadura (1984-1994).

 

Todos deram xabu, descuido que levou a maioria do eleitorado a apoiar o PT. Que não tinha ideia alguma para mudar o país, mas como sabia que o povo era contra, baseou-se em ser contra para tomar conta do cenário, e assim permanece.

 

O PT foi contra a Constituição de 1988 e contra o Plano Real, em 1994, no Governo de Itamar Franco, empossado após o fracasso político e econômico do desgoverno Collor de Mello.

 

E assim o PT chegou ao governo em 2002, com cataratas de votos, mas sem qualquer plano, derrotando o partido que dormiu nos louros do Plano Real, o PSDB.

 

 

 

Contra hoje, a favor amanhã

 

No governo, o PT nunca foi nem levemente de esquerda. A "Carta ao Povo Brasileiro" traduz-se neste telegrama: "Esqueçam tudo que prometemos" (textualmente, "as mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais".

 

Só Iludidos acharam que o PT seria "esquerda" ou iria aplicar um programa diferente da direita. O PT é uma federação de dezenas de grupos. Uma sopa de liberais com alguns nacos progressistas.

 

Nele, a esquerda é apenas uma reduzida fração, que nunca teve hegemonia no governo. Nem Aldo Rebello (PCdoB) era de esquerda - tanto que hoje, depois de trocar de partido como quem troca de camisa, acabou no MDB, na atualidade um ajuntamento predominantemente de direita.

 

O PT, que foi contra a Constituição e o Plano Real, ao chegar ao governo se agarrou nela e nele para ter estabilidade. E no vácuo da falta de um plano se impôs o Centrão, aquele que o general paranaense Augusto Heleno desprezou e teve que engolir.

 

 

 

"Se gritar pega Centrão..."

 

Hoje, o general esqueceu a zombaria que fez ao Centrão e o PT ama os três: a Constituição, o Plano Real e o Centrão. Equilibra-se quase sem poder de mando em cima das garantias constitucionais, das sobrevivências do Real e se expressa por um Ministério com a cara (deslavada) e a coragem (oportunista) do Centrão.

 

Um novo 1974, com uma guinada ampla para a oposição popular, tornou-se impossível por conta do grande golpe desfechado contra a democracia pela junção do PT com o Centrão.

 

O golpe consistiu em que a grana dos escândalos Mensalão e Petrolão inflou, com dinheiro porco, todos os partidos ligados à trama.

 

Por conta desse golpe, o dinheiro mamado robusteceu as campanhas dos partidos cúmplices e eles armaram uma legislação na qual os partidos com mandatos alicerçados na roubalheira recebem o grosso dos recursos do Fundo Partidário.

 

Os partidos que não entraram no esquema foram punidos com pequenez e os partidos malandros se tornaram dominantes.

 

Com a omissão do PT, o Centrão dominou a Constituinte de 1988, mexeu lá os pauzinhos e desde sempre tem o governo na palma da mão. O bolsonarismo, que não soube pegar o ladrão, levou dele como prêmio de consolação uma gorda fatia do Fundão Eleitoral.

 

 

 

A saia da Dilma

 

Quando a população acordar que tudo é engabelação, que o governo finge governar e o Centrão é o poder real, de fato, direito e bastidores, ver-se-á, como diria Michel Temer, amarrado por um semipresidencialismo semiparlamentarista.

 

Aí vai manifestar desagrado, mas não terá saída, porque os partidos do Centrão se robusteceram mamando nas tetas da corrupção. Os que não mamaram desaparecerão em cláusulas de barreira, diluídos em federações difíceis de explicar.

 

O que se vê no horizonte é o Centrão vencendo e governando cada vez mais explicitamente. No fundo, fundões e fundilhos, o único plano alternativo a ele que a vista alcança é Dilma Rousseff permanecer longo tempo à frente do Banco dos BRICs.

 

Sem plano, se o governo em desespero fizer finalmente um para substituir o Real, a atual conjuntura de ruína da ordem mundial capitalista vai abatê-lo no voo. Será acusado de realcídio e sofrerá as consequências da ousadia.

 

O PSDB amarga até hoje o pecado de golpear a Constituição para estender criminosamente o mandato de FHC comprando no Varejão a emenda da reeleição. As tais "quatro linhas" não perdoam quem mexe nelas. E assim o plano ou falta de plano petista de se abrigar debaixo da saia da Dilma em sua versão banqueira parece o mais factível. (Ilustração: Boletim Nacional do PT, outubro de 1988)

 

 

 

Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br

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