A nova fase da guerra comercial entre Estados Unidos e China - fora Canadá e México - começou no mesmo momento em que os produtores norte-americanos se preparam para iniciar uma nova safra de grãos. Assim, é destaque em quase todas as agências internacionais de notícias estes agricultores estão preocupados. A demanda por seus produtos, mais uma vez, será afetada pelas políticas tarifárias de Donald Trump - que sofrem retaliações imediatas -, bem como os preços na Bolsa de Chicago, que desde o começo desta semana já sentem uma pressão expressiva.
"Perder mercados comerciais confiáveis não é divertido para os produtores. Os produtores têm investido na construção de bons relacionamentos comerciais. E, infelizmente, eles podem ser desfeitos muito, muito rapidamente. Receio que seja isso que está acontecendo", afirmou o presidente da União dos Produtores Rurais de Iowa, Aaron Lehman, a um jornal local.
Assim, de acordo com especialistas internacionais, os agricultores não só de Iowa, mas de todos os principais estados produtores dos Estados Unidos - em especial os do Meio-Oeste americano serão termômetros importantes dos efeitos das tarifas de Trump. "A China é uma grande consumidora da soja americana, e Pequim foi rápida em mirar essa grande safra com uma tarifa de 10% em sua resposta a Trump nesta terça-feira", afirmou a Bloomberg.
Além disso, a nação asiática já havia informado, por meio de sua Administração Geral das Alfândegas, a suspensão de compras de soja de três empresas norte-americanas: CHS Inc., Louis Dreyfus Company Grains Merchandising LLC e EGT LLC, o que ajudou a intensificar a pressão sobre os futuros da soja na Bolsa de Chicago nesta semana.
Somente no pregão desta terça-feira (4), as baixas da soja foram de mais de 12 pontos entre os principais vencimentos, levando o contrato maio a perder os US$ 9,90, fechando com o US$ 9,84. Já o maio, referência importante para a formação de preços no Brasil, perdeu os US$ 10,00 e fechou com US$ 9,99. No milho, as cotações já operam abaixo dos US$ 5,00 por bushel - tendo perdido quase 3% somente na sessão da última segunda (3) - e também sentiu os impactos das tarifas.
Já na retomada do mercado, perto de 21h30 (horário de Brasília), as cotações já vinham operando em campo positivo, recuperando boa parte das perdas observadas nos últimos pregões, com o milho subindo quase 2% e a soja, quase 1%.
"É negativo para carne suína e bovina, mas a China não iria comprar muito milho ou soja de nós pelos próximos seis a oito meses (nos EUA) de qualquer maneira. As ofertas da Argentina e do Brasil estão mais baratas, graças às taxas de câmbio, e esse provavelmente será o caso até que esses suprimentos acabem no final deste ano", disse Arlan Suderman, economista-chefe de commodities da StoneX à Bloomberg.
A tabela abaixo mostra os valores de produtos agrícolas norte-americanos exportados para a China em 2024, segundo números do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos). E embora a concentração das compras chinesas se dê no Brasil desde 2019, quando da primeira fase da guerra comercial, no primeiro mandato de Donald Trump, quem lidera a lista é a oleaginosa, com um valor gerado de US$ 12,8 bilhões.
Tabela: Bloomberg/USDA
"Prevejo que veremos algumas cargas sendo lançadas em algum momento para obter algum impacto de manchete. Mas há apenas cerca de um milhão de toneladas de soja não embarcada ainda nos livros neste momento", complementou Suderman.
Cargas enviadas antes de 10 de março e importadas antes de 12 de abril não incorrerão em tarifas adicionais, de acordo com a declaração do governo chinês.
Diante de todo este imbróglio, os produtores agora estão buscando entender como o governo deverá olhar por eles, de forma a compensar os efeitos colaterais das tarifas. Tal qual aconteceu na primeira gestão de Trump, os agricultores deverão receber pagamentos como subsídios na medida em que seus mercados sofram e os preços cedam.
Há cerca de três anos, os produtores rurais norte-americanos vêm registrando uma severa pressão sobre suas margens de rentabilidade, bem como enfrentam um aumento em seus custos de produção, com altas nas sementes, fertilizantes - que podem sofrer ainda mais com as tarifas trocadas entra EUA e Canadá, um dos principais fornecedores de potássio para os americanos - e equipamentos.
“Tarifas que aumentam os preços dos fertilizantes ameaçam dar outro golpe nas finanças das famílias rurais que já estão lutando contra a inflação e altos custos de produção. A incerteza atinge exatamente quando os empréstimos operacionais estão sendo garantidos e o plantio de primavera se aproxima, deixando os agricultores em uma situação difícil", explica o presidente do American Farm Bureau, Zippy Duvall.
A Secretária de Agricultura dos EUA, Brooke Rollins, afirma que Donald Trump está ciente de todos os cenários e, da mesma forma como ocorreu em 2019, o governo americano está pronto para apoiar seus produtores rurais .
"Tudo está na mesa agora. Tudo. Eu sei que o presidente Trump, com quem falo regularmente, percebe o estado da economia agrícola neste país. Na última vez, eu sei, ele pressionou o secretário Perdue para garantir que fôssemos capazes de consertar — da melhor forma possível — alguns daqueles, e espero que a maioria daqueles, se não todos, que foram prejudicados. Estamos construindo a equipe no USDA para garantir que temos a estrutura e o plano em vigor para nos permitir agir muito rapidamente", disse Rollins em um evento no último domingo (4).
Outro setor apreensivo é o de máquinas agrícolas. "Passamos décadas estabelecendo cadeias de suprimentos em todo o mundo. Nossa indústria é global — 30% de todos os equipamentos feitos nos EUA são destinados à exportação. O Canadá é nosso maior mercado fora dos EUA. Se quisermos criar mais empregos aqui na América, precisamos vender mais equipamentos e isso significa vender para clientes fora dos EUA", afirmou ao portal AgWeb, o vice-presidente da Associação dos Equipamentos Manufatureiros, Johan 'Kip' Eideberg.
Donald Trump na fazenda da família Smith, na Pensilvânia, durante a campanha em 2024 Foto: Getty Images/Win McNamee
Atualmente, mais de 20% dos lucros do agronegócio norte-americano se dá com as exportações, com os três principais mercados dos EUA sendo, nesta ordem, o México - respondendo por US$ 30 bilhões; o Canadá, com US$ 29 bilhões e a China, com US$ 26 bilhões.
Se posicionou ainda o presidente da ASA (American Soybean Association), Caleb Ragland, sobre a frustração e preocupação dos sojicultores.
"Os produtores de soja enfrentam impactos enormes e desproporcionais de interrupções no fluxo comercial, particularmente para a China. E sabemos que os produtores estrangeiros de soja no Brasil e em outros países estão esperando colheitas abundantes este ano e estão preparados para atender a qualquer demanda decorrente de uma renovada guerra comercial EUA-China".
No Brasil, porém, as preocupações estão sobre a capacidade logística do país para atender a toda esta demanda. O país já opera próximo do limite, com picos de 15 milhões de toneladas de soja exportadas por mês, dividindo espaço com carnes, açúcar e milho.
“Atualmente, a previsão para a exportação de soja está entre 103 e 104 milhões de toneladas no ciclo 2024/25. Não há viabilidade logística para elevar esse volume para 108 ou 110 milhões de toneladas, especialmente considerando a necessidade de escoar também cerca de 50 milhões de toneladas de milho”, comenta Ale Delara, diretor da Pine Agronegócios.
Quando os olhos se voltam para o milho,as preocupações se intensificam tanto sobre o México, como sobre o Canadá, ambos clientes importantes do cereal norte-americano.
"O milho é uma commodity que esses países consomem muito mais do que produzem, então eles vão ter que obtê-lo de algum lugar. Definitivamente, há alguma preocupação sobre a perda de exportaçõesde milho, mas o quanto é perdido ainda está para ser visto porque depende do que acontece com a mudança dos fluxos comerciais", explicou a economista-chefe da Associação Nacional de Produtores de Milho, Krista Swanson.
E na última semana, o Outlook Forum do USDA apontou um aumento considerável na área destinada à produção de milho nesta safra 2025/26 dos EUA, de 36,68 para 38,05 milhões de hectares, em detrimento da soja.
Essa nova onda de tarifas de Trump chega ainda em um momento em que as importações de alimentos vêm registrando recordes e e em que o déficit comercial agrícola a um recorde de US$ 49 bilhões, ainda segundo o USDA. E de acordo com especialistas ouvidos por portais internacionais, este é um quadro que ainda deverá persistir pelos próximos anos.
Desde 2023, os EUA têm importado mais alimentos do que exportado. As importações americanas de produtos agrícolas devem subir 6,5% no ano comercial que termina em 30 de setembro, para US$ 219,5 bilhões - com destaque para embarques maiores de abacates, suco de laranja e café - enquanto as exportações devem ficar em US$ 170,5 bilhões, 2,2% abaixo do ano anterior, informa o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
"Eu realmente não sei como o aumento de tarifas ajudaria os produtores de milho e soja dos EUA, a menos que as tarifas produzissem um novo acordo de Fase 1 como o que Trump assinou com a China em 2020. Tal acordo mudaria completamente a perspectiva agrícola dos EUA de pessimista para otimista, mas parece estar longe, se possível, já que a China diversificou os fornecedores nos últimos quatro anos", analisa Dan Basse, presidente da consultoria AgResource Co.
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