Gilberto Maringoni
PODEMOS ESTAR ASSISTINDO um fenômeno novo na realidade política brasileira. Trata-se da formação de uma nova direita, com a plena integração do PT à Ordem. É algo gestado de maneira lenta após as eleições de 1994 (plano real) e que se acelera a partir da Carta aos Brasileiros, na disputa de 2002, e da continuidade da política econômica de FHC. Não é um percurso distinto daquele coberto pela socialdemocracia europeia a partir dos governos Mitterrand II e Felipe González, na segunda metade dos anos 1980.
A ADESÃO DO PARTIDO de Lula às políticas de ajuste, à manutenção de todos os parâmetros do status quo anterior (privatizações de FHC e reformas Temer-Bolsonaro), entre outras, transborda agora para os setores de Educação e de Segurança Pública. Nessas duas áreas, as orientações são, respectivamente, realizar parcerias com fundações privadas, cortes nas Universidades e adotar a prática de “bandido bom é bandido na vala”.
A REGRA DE OURO é evitar qualquer confronto com as classes dominantes (finanças, agro, comunicações, forças armadas e direita política), consolidar o Brasil como pertencente ao Ocidente (Casa Branca) e adotar políticas sociais focadas, em escala menor que nas gestões anteriores (afinal, há que se respeitar as regras da austeridade). Nesse ritmo, a prioridade é limar o que resta de marcas sociais na Carta de 88, sepultar a CLT, aprovar a reforma administrativa, consolidar o BNDES como o banco das PPIs e compor sem problemas com o centrão e com a elite do Judiciário. Saem de cena quaisquer perspectivas de desenvolvimento, industrialização, soberania e alargamento da democracia. A fórmula é o bom e velho combo fazendão + alta finança + maquiladoras + pleno emprego de salário miserável.
O POSSÍVEL CENÁRIO FUTURO, no campo institucional, é o alargamento das federações partidárias (com absorção pelo PT de partes do PSOL e do PCdoB) e a conformação de dois grandes blocos políticos que, na prática, funcionarão como um bipartidarismo à americana. Ou seja, programaticamente será aprofundado o grande consenso neoliberal atual, apesar dos comportamentos políticos distintos entre as agremiações. A exemplo do Partido Democrata e do Partido Trabalhista britânico, a direita que não ousa dizer o nome tolerará a existência de pequenos e sinceros grupos de esquerda em seu interior, sem qualquer influência em suas diretrizes estratégicas.
DE UM LADO DESENHA-SE uma coalizão mezzo progressista, mezzo moderninha, ancorada no sistema financeiro tradicional e parte da Faria Lima e do agronegócio, além de empresas privatizadas de infraestrutura. De outro, haverá a junção da direita tradicional e da extrema-direita, com maior força no agro, em parte da Faria Lima, igrejas evangélicas etc. etc. Se aos tucanos coube iniciar o desmonte da Era Vargas, cabe à direita progressista sepultá-la de vez.
É um cenário complicado, sobre o qual a esquerda terá de atuar nos próximos anos,...