Na década de 1980, um filme-catástrofe, gênero ainda em alta na época, chamado “O Dia Seguinte”, teve forte impacto sobre a sociedade mundial. A exibição do longa-metragem televisivo no canal ABC foi um evento que parou os Estados Unidos por mais de duas horas, com cerca de 100 milhões de espectadores vidrados na telinha, e permaneceu como a atração televisiva mais assistida naquele país durante décadas. A ideia do diretor Nicholas Meyer e do roteirista Edward Hume era gerar um filme que, de fato, alertasse o mundo sobre a realidade nua e crua de uma guerra nuclear. A Guerra Fria entre URSS e EUA estava no auge e o mundo se descobriu coadjuvante de uma tragédia recorrentemente anunciada.
A partir da metade do filme, as bombas começam a cair e o efeito é devastador. Após seis intermináveis minutos de explosões, cadáveres humanos e de animais esparramam-se pelo chão. Quem não morre, fica cego ou passa a acompanhar os efeitos da radiação em seu organismo no decorrer dos dias. O então presidente Ronald Regan assistiu ao filme com exclusividade um mês antes e revelou ter ficado deprimido com o que encontrou, mudando em definitivo sua forma de encarar um possível conflito nuclear após a experiência audiovisual.
No Brasil o filme foi capa da revista Veja, em janeiro de 1984, poucos meses da exibição nos Estados Unidos, com a manchete “O terror nuclear” — a mesma edição tinha como segunda matéria mais importante o embrião do que seria conhecido como o movimento “Diretas Já”. Mas o filme só foi exibido por aqui em 1988. No ano seguinte, o Muro de Berlim desabou levando com ele o Império Soviético e o medo de uma hecatombe nuclear.
As gerações seguintes não sofreram com essa angústia até a recente escalada dos conflitos no Oriente Médio, quando o tema voltou as conversas em mesa de bar. E se não fosse pelo sucesso do filme “Oppenheimer”, talvez nem lembrassem mais dos estragos que um conflito nesses moldes poderia causar.

Guerra, ciência e o risco de extinção
As guerras atuais mostram que o risco nuclear não é coisa do passado. Rússia e Ucrânia estão em conflito direto, com alertas sobre o uso de armas táticas. Israel, por sua vez, tenta impedir o avanço nuclear do Irã. Em ambos os casos, a bomba atômica continua sendo uma ameaça real.
A ciência entende os efeitos e a tecnologia tenta conter os riscos, mas é a política que decide o futuro. Saber o que acontece quando uma bomba nuclear explode é importantíssimo, não para alimentar o medo, mas para que governos e sociedades tomem decisões conscientes, com base em conhecimento e responsabilidade
O que uma bomba nuclear pode fazer?
A energia liberada pela explosão atinge temperaturas superiores a 10 milhões de graus Celsius, comparáveis às do interior do Sol. Isso aquece o ar ao redor e forma a bola de fogo incandescente. Ademais, essa esfera luminosa pode causar queimaduras graves a vários quilômetros de distância do ponto de impacto.
Logo em seguida, o ar se expande de forma violenta, gerando uma onda de choque supersônica. A pressão é tão alta que edifícios desabam instantaneamente e pessoas próximas podem ser arremessadas ou mortas antes mesmo de ouvirem a explosão. Conforme explicou o físico nuclear brasileiro Luciano Ricco, pós-doutorando na Universidade de Reykjavík, na Islândia, ao site Tech Tudo “a radiação térmica chega antes da onda de choque, o que significa que as pessoas podem ver o clarão e sofrer queimaduras antes de ouvirem qualquer som.”
Radiação: o perigo que permanece após a explosão
Além do calor e da pressão, uma explosão nuclear libera radiação ionizante. Esse tipo de radiação é perigoso porque altera as estruturas atômicas do corpo humano. Segundo Ricco, “ela pode causar desde queimaduras internas até infertilidade, câncer e morte por síndrome da radiação aguda”.
A radiação se divide em três tipos principais: gama, beta e alfa. A gama é a mais penetrante e afeta o DNA. A beta é perigosa se inalável. E a alfa, embora menos penetrante, é tóxica quando ingerida. Após a explosão, ocorre o fallout radioativo, a famosa “chuva radioativa”, que pode contaminar regiões inteiras por décadas.
O que é e até onde alcança a famosa bola de fogo?
A bola de fogo é resultado da energia térmica liberada pela reação nuclear. O ar ao redor se transforma em plasma superaquecido. Isso forma uma esfera luminosa que cresce rapidamente nos primeiros segundos da explosão. E o alcance desse fenômeno depende do rendimento da bomba. Em alguns casos, a bola de fogo é visível a mais de 30 km de distância.
A distância que ela pode causar queimaduras depende do chamado rendimento da bomba (quantidade de energia liberada). Quanto maior o rendimento, maior o raio em que a bola de fogo pode causar queimaduras de terceiro grau. Uma bomba nuclear moderna tática com 100 kilotons (quase 7 vezes mais potente que a de Hiroshima) pode causar queimaduras de 3º grau em um raio de 2,5 a 3km do ponto de detonação aérea.

O que define uma bomba nuclear?
Uma bomba nuclear é aquela capaz de liberar uma grande quantidade de energia por meio de reações atômicas, que acontecem em frações de segundo. Embora essa definição pareça simples, contudo, ela pode soar abstrata para o público leigo. Por isso, uma das formas mais didáticas de entender a tecnologia é compará-la às armas convencionais. De acordo com Ricco, a diferença central entre uma bomba convencional e uma bomba nuclear está no tipo de reação que gera a explosão.
“Nas bombas convencionais, a explosão vem das reações químicas. Você tem a queima de TNT e outros explosivos, por exemplo, que liberam energia ao quebrar as ligações entre moléculas. Na bomba nuclear, contudo, a energia vem de reações nucleares que acontecem no núcleo dos átomos. Pode ser pela divisão de núcleos pesados, como no caso da fissão, ou pela fusão de núcleos mais leves, como o hidrogênio”, detalha o especialista.
Como funciona uma bomba de fissão nuclear?
A bomba de fissão nuclear foi o primeiro tipo de armamento nuclear desenvolvido. O dispositivo funciona ao provocar uma reação em cadeia de divisão de núcleos atômicos, liberando uma quantidade imensa de energia em frações de segundo. De forma mais simples, ele divide um átomo e, com isso, parte da matéria desse átomo se transforma em energia.
Segundo Luciano Ricco, o funcionamento de uma bomba de fissão começa com a compreensão da própria estrutura da matéria. No interior de cada átomo, existe uma força de coesão muito forte, responsável por manter as partículas do núcleo unidas. “É uma força extremamente intensa que atua em distâncias muito pequenas, dentro do núcleo de cada átomo”, desenvolve.
A evolução tecnológica até a bomba de hidrogênio
Além das bombas de fissão nuclear, existem os dispositivos de hidrogênio (ou de fusão ou termonucleares). Em vez de dividir núcleos pesados, como o urânio-235 ou o plutônio-239, a bomba de hidrogênio funde núcleos leves, como os de hidrogênio, liberando uma quantidade de energia ainda maior. “Enquanto a fissão nuclear quebra a ação da força forte que mantém os constituintes dos núcleos coesos, a fusão usa essa força forte para juntar os núcleos. Esse é um processo que acontece no centro do Sol ou no centro das estrelas”, exemplifica Luciano.
O resultado dessa combinação é uma explosão com potência muito superior às bombas usadas em Hiroshima e Nagasaki. A primeira detonação de uma bomba de hidrogênio foi realizada pelos Estados Unidos em 1952, no Atol de Enewetak, nas Ilhas Marshall. O teste, chamado Ivy Mike, foi cerca de 500 vezes mais poderoso que a bomba de Nagasaki.
O papel da física nuclear e das simulações computacionais modernas
Desde a assinatura do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT), em 1996, testes com explosões nucleares estão proibidos em muitos países. Logo, as potências nucleares passaram a investir em simulações virtuais feitas por supercomputadores. Esses sistemas de altíssimo desempenho, como o El Capitan, nos Estados Unidos, conseguem realizar quintilhões de cálculos por segundo, simulando com precisão o comportamento de uma explosão nuclear.
Hoje, as simulações permitem aos cientistas prever o desempenho de armas antigas, testar possíveis modificações e garantir a segurança dos estoques nucleares. A tecnologia também tem sido aplicada em áreas civis, como na medicina e na geração de energia.