Cobre para usinas eólicas, silício para painéis fótovoltaicos, níquel e lítio para baterias, bauxita e alumina para cabos de transmissão, nióbio para ressonância magnética, tomógrafos e aceleradores de partículas. O Brasil é o segundo país do planeta com as mairoes reservas de terras raras ou minerais críticos, a matéria-prima para as transformações tecnológicas e energéticas do século. Esses minerais são estratégicos para a fabricação de peças e equipamentos associados à ideia de transição energética, de carros elétricos à energia solar, de celulares a mísseis hipersônicos e só existem em oito países: a China possui 49%, o Brasil, 23; e a Índia, 7,7% das jazidas.
A cobiça pelos minerais verdes foi parar no centro da disputa global por territórios e nas recentes investidas dos Estados Unidos contra países que têm reservas desses materiais no seu subsolo, caso do Brasil. E exploração desses minerais pode entrar na negociação do tarifaço, conforme admitiu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na segunda-feira. “Temos minerais críticos e terras raras. Os Estados Unidos não são ricos nesses minerais. Podemos fazer acordos de cooperação para produzir baterias mais eficientes”, insinuou.
Antes do tarifaço, as reservas minerais do país foram pauta de uma visita do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva a Vladimir Putin, em maio, no contexto das celebrações dos 80 anos da vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. Em Moscou, Lula anunciou o interesse em uma parceria com a Rússia para ampliar a pesquisa e exploração de minerais críticos como lítio, cobalto, níquel, grafite e outros elementos das terras raras essenciais para setores estratégicos, como tecnologia, defesa e transição energética.
O Brasil concentra, por exemplo, 92% das reservas de nióbio metálico do planeta. O material é utilizado em equipamentos de ressonância magnética, tomógrafos e aceleradores de partículas como o Sirius, além de larga aplicação no setor siderúrgico para a composição de aço usado na industria automobilística e na construção civil. China, Holanda, Coreia do Sul e Estados Unidos, nesta ordem, são os maiores importadores do nióbio brasileiro.
Mais recentemente, em meio à chantagem de Trump – que impôs uma taxação de 50% sobre exportações brasileiras para pressionar pela anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na trama do golpe de Estado – veio à tona a indisfarçável cobiça do “império” pelas terras raras – as nossas e as do resto do mundo.
No auge da crise, o encarregado local de negócios da embaixada dos Estados Unidos, Gabriel Escobar, deixou de lado a agenda econômica e voltou a manifestar o interesse do governo norte-americano nos minerais críticos e estratégicos do Brasil. São minerais “tão importantes na geopolítica mundial que, nos últimos meses, os EUA fecharam acordos sobre elas com Ucrânia e China”, insinuou Escobar numa conversa com o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann.
Infográfico: Extra Classe
Nos anos 1950, o Brasil dominava a tecnologia de extração de terras raras, mas elas tinham poucas aplicações tecnológicas significativas, lembra Henrique Toma, que coordena grupo de pesquisa na USP
Foto: Pedro Bolle / USP Imagens
China e Brasil têm as maiores reservas
Com base em informações de governos e empresas, a edição 2025 do U.S. Mineral Commodity Summaries, levantamento do serviço geológico dos Estados Unidos, a US Geological Survey – USGS, informa que o total de estoque de terras raras no mundo decresceu de 110 milhões de toneladas, em 2023, para 90 Mt de OTR (óxidos totais de terras raras equivalente), em 2024. Oito países respondem por 98% das reservas de ETR.
Ao lado do Vietnã, o Brasil detém 23% das jazidas, com a segunda maior reserva desses minerais. O subsolo brasileiro, com detaque para Minas Gerais, tem 21 Mt da maioria dos elementos que cabem em uma tabela periódica. Pelas estimativas do serviço geológico norte-americano, a China é a maior detentora de minerais críticos e terras raras do mundo, com 49% das reservas, ou 44 Mt. Depois do Brasil, vem a Rússia (12 Mt), Índia (6,9 Mt) e Austrália (3,4 Mt).
A China domina as reservas e também a extração desses minérios. É o maior produtor mundial de terras raras, com 120 Mt extraídas em 2018, seguida pela Austrália, com 20 Mt, e Estados Unidos, com 15 Mt, aponta o estudo da USGS. O Brasil não domina as tecnologias de extração.
Restos de vulcões extintos, o novo petróleo
De acordo com Fernando Landgraf, da Escola Politécnica (Poli) da USP, no Brasil, as terras raras são encontradas nas areias monazíticas do litoral e principalmente em jazidas próximas a vulcões extintos, como nas cidades de Araxá e Poços de Caldas, em Minas Gerais, e Catalão, em Goiás, e também em Pitinga, no Amazonas. “É provável que as reservas brasileiras sejam muito maiores do que está comprovado atualmente, em especial na Amazônia”, afirmou Landgraf em entrevista ao jornalista Júlio Bernardes, que em 2022 publicou no Jornal da USP a reportagem especial Valiosas e versáteis: pesquisas com terras raras mostram caminho para criar cadeia produtiva no Brasil.
“No entanto, na cadeia produtiva das terras raras, o Brasil tem o minério, tem o consumo final, pois importa superímãs para geradores eólicos e motores elétricos, mas não domina as etapas intermediárias do processo, ou seja, a separação dos elementos e a fabricação de superímãs”, ressalva Landgraf.
Uma das maiores autoridades acadêmicas do país nesse campo, o professor Henrique Elsi Toma, do Instituto de Química (IQ) da USP, explica que o Brasil já foi protagonista em relação a esses minerais ao desenvolver a tecnologia de separação e purificação. “A primeira jazida foi descoberta em 1886, na praia de Cumuruxatiba, na Bahia, e em 1915 o Brasil era o maior fornecedor mundial de monazita, um mineral extraído da areia que contém terras raras, e que na época era usado para produzir mantas incandescentes, que permitem aos lampiões de gás emitirem luz branca”, descreve.
Emissores de luz e nanotecnologia
Vista aérea da erupção do Kilauea, no Parque Nacional de Vulcões do Havaí. As terras raras são encontradas nas areias monazíticas do litoral e principalmente em jazidas próximas a vulcões extintos
Foto: US Geological Survey
“As terras raras vêm sendo empregadas como conversores de luz em lasers, displays, lâmpadas fluorescentes, LEDs e OLEDs”, conta o professor Hermi Felinto de Brito, coordenador de um grupo do Instituto de Química (IQ) da USP que pesquisa materiais luminescentes conversores de luz, contendo terras raras, que atuam tanto como emissores de luz eficientes, quanto podem ser aplicados como marcadores ópticos.
Segundo Brito, o grupo de pesquisas desenvolve novos materiais luminescentes como centros emissores, cujas aplicações têm crescido significativamente nos últimos anos, em estudos avançados de fotônica, dispositivos optoeletrônicos, marcadores biológicos fluorescentes, dispositivos emissores de luz branca, pigmentos multicolores e filmes transparentes emissores.
Ele lembra que esses elementos possuem grande importância na área da biomedicina. “Alguns testes de sangue utilizam o fenômeno da luminescência de complexos de európio como marcador de doenças, como é o caso do PSA, que detecta câncer de próstata”, ilustra Brito.
Já o grupo de pesquisa especializado em nanotecnologia coordenado por Toma no IQ desenvolveu uma técnica chamada de hidrometalurgia magnética para a separação de terras raras, simplificando e barateando o processo.
“O método usa nanopartículas magnéticas modificadas com um agente químico que captura as terras raras que estão misturadas ao minério, colocado em um pequeno reator. Depois das nanopartículas serem resgatadas com um ímã de neodímio, sua acidez é modificada, liberando as terras raras”, descreve.
“No processo tradicional, feito em reatores gigantescos, essa separação requer milhares de litros de solvente, que só podem ser usados uma única vez e poluem o ambiente. Com as nanopartículas, assim que as terras raras são separadas, elas podem voltar a ser usadas.”
Fernando Landgraf e Marcelo Seckler, da Poli-USP
Foto: USP/ Divulgação
Em 1946, o químico Pawell Krumholz, que depois se tornou professor da USP, criou a técnica de separação das terras raras da monazita e a aplicou na empresa Orquima, que ele próprio tinha fundado cinco anos antes. “Em 1957, foi criada uma linha de pesquisa sobre química de terras raras na USP, coordenada pelo professor Ernesto Giesbrecht”, relata Toma.
Na década de 1950, o foco da exploração de monazita passou a ser a extração de tório e urânio, usados na produção de energia nuclear. O Brasil dominava a tecnologia de extração de terras raras, mas elas tinham poucas aplicações tecnológicas significativas.
A situação mudou com o surgimento da televisão em cores, no final dessa década, quando as telas passaram a ser pintadas com európio para produzir as imagens coloridas. “Posteriormente, as principais aplicações das terras raras passaram a ser em ímãs de alta potência e em lasers, com uso do neodímio extraído da monazita, mas aí o Brasil já havia perdido espaço no mercado mundial”, explica Toma.
“Em 1962, a Usina Santo Amaro (USAM), pertencente à Orquima, foi estatizada, passando a se chamar Nuclemon em 1975 e, em 1994, Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Em 2004, o País deixou de produzir terras raras e, em 2012, foram interrompidas as exportações de monazita para a China, que passou a monopolizar o mercado mundial com sua produção interna. Embora o Brasil seja considerado um ‘pais mineral’ pela abundância das jazidas, o foco é a exportação de minério bruto, especialmente de ferro, que não exige tecnologias sofisticadas ou muito custosas de extração.”
De acordo com Landgraf, o mercado mundial de terras raras é relativamente pequeno em termos financeiros, movimentando cerca de 5 bilhões de dólares por ano, mas a sua importância estratégica é enorme. “Por exemplo, os ímãs de terras raras são indispensáveis para os carros elétricos. A China investiu em toda a cadeia produtiva das terras raras, começando pela extração, passando pela separação, produção de ímãs e por fim a produção de carros elétricos. É evidente que ela vai querer vender o carro, não o ímã”, afirma.
“Hoje, no Brasil, não há ninguém que faça a extração do concentrado de terras raras separado de outros elementos, logo, elas não são comercializadas. O custo de obtenção não é compensador frente ao produto importado. Há planos para que a Mineração Serra Verde, em Minaçu, no Estado de Goiás, comece a produzir e exportar o concentrado, mas só a partir do ano que vem.”
Transição energética, mineração e crise climática
Dos oito minérios mais exportados pelo Brasil, a China aparece entre os cinco principais compradores para sete deles: minério de ferro, manganês, nióbio, cobre, pedras ornamentais, alumínio e caulim. Os maiores estados produtores reduziram sua participação no total do faturamento do setor. Minas Gerais caiu de 42% para 40%, enquanto o Pará foi de 43% para 37%.
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Em setembro do ano passado, pesquisadores das universidades federais de Juiz de Fora (UFJF), Fluminense (UFF) e de Viçosa (UFV) ingtegrantes do Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas) demonstraram que busca por minerais necessários para projetos de transição energética vem causando conflito nas novas frentes exploratórias.
Eles identificaram violações de direitos de pequenos proprietários rurais, trabalhadores e comunidades tradicionais, sendo a Amazônia Legal a região que concentra o maior número de ocorrências. Foram relacionadas 348 ocorrências em 249 localidades, no período de 2020 a 2023. Ao menos, 101 mil pessoas teriam sido afetadas. Segundo o estudo, os pequenos proprietários rurais são 23,9% das vítimas de violações de direitos. Trabalhadores representam 12,1% e indígenas 9,8%.
O professor da UFF, Luiz Wanderley alertou à época que a extração dos minerais críticos não pode ocorrer sem considerar os danos. “É algo que já está ocorrendo”. Publicado pelo Conselho do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil e pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, o estudo revela que a exploração mineral no país cresceu de R$ 243 bilhões para R$ 266 bilhões em valores deflacionados entre 2013 e 2022, aumento de 9,3%. No entanto, levando em conta só os minerais críticos, o aumento foi de 39%.
“São conflitos que atingem diferentes grupos. Mas eu destacaria os pequenos produtores, sobretudo agricultores familiares que vivem em áreas próximas aos empreendimentos de mineração. Os próprios trabalhadores da mineração enfrentam uma série de violações que envolvem condições precárias de trabalho e super exploração. E temos outros atores como indígenas e quilombolas que também vêm sofrendo com os impactos. No caso particular dos indígenas, chama atenção a questão dos garimpos dos minerais de transição. As comunidades têm sido impactadas por garimpos associados à cassiterita, à manganês e ao cobre”, aponta o pesquisador da UFF.
Dados dos investimentos das mineradoras em pesquisa mineral também ajudam a ilustrar o cenário. Houve um crescimento de 150%, entre 2013 e 2022. Quando se considera apenas os minerais críticos, porém, a alta foi de 240%. Naquele mês, a australiana Pilbara Minerals, especializada na mineração de lítio, anunciou que investiria R$ 2,2 bilhões em um projeto no município de Salinas (MG), no Vale do Jequitinhonha.
Amostra de Bauxita, rocha constituída de hidroxidos e óxidos de alumínio hidratado que originam sulfato de alumínio. Esse tipo de rocha também possui Gálio, elemento usado principalmente em circuitos integrados e LEDs
Foto: US Geological Survey
A procura no Brasil por minerais usados na transição energética acelera a crise climática no Pará (PA), na Bahia (BA), em Goiás (GO) e em Minas Gerais (MG), os principais produtores de minérios do país, com mudanças consideráveis nos padrões climáticos em curto prazo, até 2030, aponta o Observatório da Mineração em um estudo publicado em abril deste ano. “Uma empresa de mineração de lítio chegou no Vale do Jequitinhonha (MG) e derrubou mil árvores em uma região semiárida como a nossa. O impacto para qualidade do ar e da água é muito grande. O Rio Araçuaí e o Rio Jequitinhonha estão quase desaparecendo”, alerta a indígena Cleonice Pankararu, de 58 anos.
A liderança do povo Pankararu vive em uma aldeia no município de Araçuaí (MG) próxima a áreas de extração de lítio – um dos mais procurados minerais da indústria da transição energética, usado para produção de baterias de carros elétricos.
“A mineração tem se vendido como uma ‘solução’ verde sustentável para a transição energética. Estamos saindo de uma dependência fóssil para outra ainda maior de base mineral que requer a abertura de centenas, talvez milhares, de minas em áreas sensíveis, como a Amazônia e o Cerrado”, explicou o diretor do Observatório da Mineração, Maurício Angelo.
A consultora do observatório, Gabriela Sarmet, destacou que o relatório mostra que a segurança climática está em risco pela disputa geopolítica por esses minérios da transição. “Estamos criando zonas de sacrifício no Brasil para atender à demanda de descarbonização do Norte”, compara.