Um bloco diverso por natureza e por estratégia
O BRICS+ não é um clube de democracias liberais. Trata-se de uma aliança estratégica entre potências emergentes e grandes produtores de energia, alimentos e tecnologia. O que une esses países não é o modelo político, mas o desejo comum de construir um mundo multipolar, em que as decisões globais não sejam determinadas exclusivamente por Washington, Londres ou Bruxelas.
Vamos aos fatos:
Brasil, Índia e África do Sul são democracias formais, com eleições livres.
China e Rússia não estão no BRICS+ por serem modelos políticos a seguir, mas por representarem força econômica, política e militar fora do eixo ocidental tradicional. Ambos compartilham o interesse de criar um equilíbrio global, onde o Sul Global tenha voz e alternativas diante das estruturas dominadas por Washington e Bruxelas.
Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos são monarquias absolutistas, e ainda assim são aliados históricos dos Estados Unidos.
O Irã é uma teocracia, mas participa ativamente das dinâmicas internacionais há décadas.
Etiópia e Egito enfrentam desafios democráticos internos, mas representam o potencial de um continente africano que foi historicamente marginalizado nas estruturas globais de poder.
A falácia da seletividad
Quem acusa o BRICS+ de ser um clube de ditadores raramente critica a OTAN ou o G7, mesmo quando esses grupos mantêm parcerias com regimes autoritários ou promovem guerras com efeitos devastadores. Isso demonstra que a questão não é a democracia, mas sim o controle geopolítico.
As potências ocidentais(EUA), têm um longo histórico de apoiar ditaduras alinhadas aos seus interesses, como foi o caso do Chile sob Pinochet e da Arábia Saudita até os dias atuais. Também promoveram golpes de Estado, como no Irã em 1953, no Brasil em 1964 e na Líbia em 2011. Além disso, conduziram intervenções militares com justificativas frágeis, como no Iraque, no Afeganistão e na Síria.
Ignorar esse histórico e acusar o BRICS+ de representar uma ameaça à democracia é um ato de cinismo político.
O que realmente está em jogo
O BRICS+ propõe transformações profundas na arquitetura mundial. Entre os principais objetivos estão o rompimento com o monopólio do dólar, a criação de meios alternativos de pagamento, o fortalecimento de bancos multilaterais independentes e a intensificação da cooperação entre países do Sul Global.
Essas ações ameaçam diretamente a estrutura de poder vigente, incluindo o sistema financeiro internacional controlado pelo Ocidente, a capacidade de sanção dos Estados Unidos e da União Europeia, e a influência política e militar dos blocos dominantes.
A verdadeira ameaça que o BRICS+ representa não é ao modelo democrático, mas à hegemonia unilateral que predomina desde o fim da Guerra Fria.
Geopolítica não é torcida
Reduzir o BRICS+ a um grupo de ditaduras é tratar política externa como se fosse uma competição esportiva. A realidade internacional é complexa e multifacetada. Nenhum país supera o subdesenvolvimento ou a dependência mantendo diálogo apenas com regimes semelhantes ao seu.
Organismos internacionais como a ONU, o FMI e a OMC reúnem países democráticos e autoritários. O que se espera dessas instituições e alianças é o respeito à soberania, o equilíbrio entre as potências e uma cooperação multilateral efetiva.
O mundo está mudando e precisa mudar
O BRICS+ não é um modelo perfeito, mas sua existência já sinaliza uma transformação importante. O grupo expressa o cansaço de dezenas de países diante de uma ordem internacional baseada em sanções seletivas, dominação econômica e padrões morais incoerentes. Pela primeira vez em muito tempo, o Sul Global está tomando iniciativas concretas, formulando propostas alternativas e ocupando espaços de liderança global. O BRICS está criando alternativas ao dólar, ao sistema SWIFT, ao FMI e ao Banco Mundial. Isso representa uma ameaça direta ao sistema financeiro global controlado pelo Ocidente. A crítica sistemática ao BRICS não vem de um espírito democrático, mas sim do temor de um mundo multipolar, onde o poder não está concentrado apenas em Washington, Londres ou Bruxelas.
Conclusão: não é sobre rótulos, é sobre soberania
Quem teme o BRICS+ teme um cenário internacional onde as decisões não passem exclusivamente pelos interesses das antigas potências coloniais e imperiais. Teme um mundo onde o Brasil, os países africanos, o Oriente Médio e a Ásia não sejam mais figurantes, mas sim protagonistas do futuro. Podemos e devemos criticar abusos de qualquer governo. Mas isso não impede que esses países cooperem em temas globais como comércio, clima e desenvolvimento.
A geopolítica é feita entre diferentes regimes, não só entre democracias perfeitas (que nem existem).
Se esse novo cenário incomoda tanta gente, talvez seja justamente porque o BRICS+ esteja no caminho certo.