Com o retorno do PT ao poder, os sindicatos de jornalistas retomaram a mobilização para aprovar no Congresso Nacional uma lei que exija o diploma universitário de formação específica na área para exercer a profissão, um velho projeto da esquerda brasileira que tem o objetivo de impor o aparelhamento ideológico dos órgãos de imprensa – ou reforçar o que já existe nas redações da grande mídia nacional.
Na verdade, a obrigatoriedade do diploma esteve em vigor até 2009, quando sofreu fragorosa derrota ao ser extinta pelo Supremo Tribunal Federal.
De lá para cá, seus defensores nunca desistiram de tentar ressuscitá-la e acreditam que agora há um ambiente político mais favorável para emplacá-la.
Contudo, até pela composição atual do parlamento, majoritariamente de direita, parece ser uma missão impossível. E esperemos que assim seja.
Convém, a propósito, recordar um pouco do julgamento histórico em que o STF, 14 anos atrás, decidiu derrubar (às vezes eles fazem a coisa certa) a exigência do diploma para exercício da profissão de jornalista.
Por oito votos a um, os ministros atenderam a um recurso protocolado pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp) e pelo Ministério Público Federal (MPF), que pediam o fim da obrigatoriedade do diploma.
Em seu voto, o relator Gilmar Mendes sugeriu que os próprios meios de comunicação exerçam o mecanismo de controle de contratação de seus profissionais.
Com muita propriedade, ele comparou a profissão de jornalista com a de chefe de cozinha: “Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa especialidade.”
Gilmar ainda citou jornalistas que se consagraram, embora não tenham se formado na profissão, como o escritor colombiano Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura, o escritor brasileiro Nelson Rodrigues, o escritor peruano Mario Vargas Llosa e os premiados repórteres norte-americanos Carl Bernstein e Bob Woodward, que publicaram as matérias do caso Watergate, levando Richard Nixon, então presidente dos EUA, a renunciar.
Incluo nessa lista Claudio Abramo, uma lenda do jornalismo brasileiro, que tinha apenas o curso primário e chegou até a dar aulas em faculdades de comunicação.
Por sua vez, o ministro Cezar Peluso, que seguiu o relator, afirmou que não é o diploma jornalístico que protegerá o profissional de errar.
Os riscos de cometer injustiças e prejudicar pessoas com falsas declarações, ressaltou, não desaparecerão com o diploma.
Segundo ele, o jornalismo não depende de verdades científicas ensinadas nas universidades.
Durante os debates no plenário da Corte, a advogada do Sertesp, Taís Gasparian, defendeu que a exigência do diploma é inconstitucional, sob o argumento de que a Constituição garante a liberdade de expressão e o livre pensamento.
“Mais do que indesejável, a exigência do diploma para jornalistas é impraticável. Como se proibirá o exercício da disseminação da informação pela internet?”, questionou a causídica, mencionando a proliferação dos blogs.
Entendendo também que o jornalismo é uma atividade que não depende de qualificação técnica específica, ela acrescentou: “Trata-se de uma profissão intelectual ligada ao domínio da linguagem, ligada aos procedimentos vastos do campo de conhecimento humano, como o compromisso com a informação, a curiosidade. A obtenção dessas medidas não ocorre nos bancos de uma faculdade de jornalismo.”
Já o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, asseverou que a obrigatoriedade do diploma seria um obstáculo à liberdade de expressão. “Não fazemos apologia contra atividade educacional regular, mas não podemos fechar os olhos à capacidade de as pessoas se qualificarem para essa atividade, que exige conhecimento multidisciplinar”, sublinhou.
Também votaram pelo fim do diploma Cármen Lúcia, Eros Grau, Ayres Britto, Ellen Gracie, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. O único voto contra foi do ministro Marco Aurélio Mello. Joaquim Barbosa e Menezes Direito não estavam presentes.
Ademais, não custa lembrar que os Estados Unidos e quase todos os países europeus e latino-americanos não obrigam os veículos de comunicação a contratarem profissionais graduados em jornalismo.
Quando muito, em certos casos, requerem apenas cursos de conhecimentos gerais sobre as editorias em que atuarão.
Vai aqui uma dica: antes de tentarem trazer de volta esse mostrengo que só servirá para empobrecer ainda mais a imprensa brasileira, os sindicatos deveriam, isto sim, mobilizar suas energias para exigir maior qualidade no ensino das faculdades de jornalismo.
Prestariam um relevante serviço ao Brasil.
Salvo um punhado de raras e honrosas exceções, a maioria desses cursos são meras fábricas de diploma. Os estudantes saem deles sabendo menos do que quando entraram.