Deputado estadual pede explicações sobre uso de sistema espião no Paraná
POLITICA
Publicado em 27/10/2023

Líder da Oposição, Requião Filho (PT) enviou ofícios ao governo estadual e ao Ministério da Justiça. Parlamentar também fez questionamentos sobre Diretoria de Inteligência da Controladoria Geral do Estado (CGE). Entenda.

_________________________________________________________________________________

 

O líder da oposição na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep), deputado Requião Filho (PT), protocolou nesta quinta-feira (26) documentos pedindo explicações sobre o uso do sistema de interceptações telefônicas pela Diretoria de Inteligência, ligada à Controladoria Geral do Estado (CGE).

 

Um dos documentos foi enviado ao Governo do Paraná e outro, com pedido de providências, foi encaminhado ao ministro da Justiça, Flávio Dino.

O pedido do deputado estadual ao ministro afirma:

 

"Estranhamente, desde 2021 foi criada Diretoria de Inteligência subordinada à Controladoria Geral do Estado [...] Cabe destacar que todo o trabalho de inteligência do Estado do Paraná sempre esteve sob responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública."

Em outro trecho, o documento diz que, segundo o que foi revelado sobre "o uso político de sistemas de inteligência, percebe-se que no Paraná, o mesmo pode estar ocorrendo com monitoramento e espionagem de parlamentares, magistrados e demais atores políticos".

O ofício termina pedindo que sejam tomadas as medidas necessárias.

No pedido de informação ao governo estadual, o parlamentar faz uma série de questionamentos sobre a contratação da mesma empresa fornecedora do sistema utilizado pela Agencia Brasileira de Inteligência (Abin).

Na semana passada, a Abin foi alvo de uma operação da Polícia Federal no âmbito de investigação sobre suspeita de que o software tenha sido usado para monitorar ilegalmente servidores públicos, juízes, jornalistas e pessoas ligadas ao Supremo Tribunal Federal (STF).

No Paraná, o sistema da empresa israelense Cognyte foi adquirido em 2019 pela Polícia Civil.

Requião Filho cobra do Governo do Paraná informações sobre os sistemas utilizados para varredura, detecção, bloqueio seletivo, localização em tempo real, extração remota e instantânea de conteúdos de celulares no estado.

O deputado estadual também questiona o Executivo sobre se alguma outra secretaria ou servidor tem acesso aos sistemas e pede providências aos Ministérios Públicos federal, estadual e ao Ministério da Justiça.

 

"Nós queremos saber se este programa, se essa estrutura de espionagem, foi utilizada contra políticos, contra juízes, jornalistas e advogados, porque, pelo prazo, esse aparato todo pode ter sido inclusive usado na campanha eleitoral, porque se tivesse na Secretaria de Segurança do estado, sendo utilizado pela polícia é uma coisa, mas criar um setor de inteligência da Controladoria, ligado ao gabinete do governador, nos causa muita estranheza", afirma.

 

 

O deputado pede também que o governo estadual informe os critérios usados para a contratação do diretor de Inteligência da Controladoria e os poderes específicos direcionados a ele.

"Me parece que é um estrangeiro que está comandando esse setor de inteligência, não é sequer alguém ligado à Secretaria de Segurança Pública. Quem é essa pessoa, por que essa pessoa, e a quem essa pessoa teve acesso?", conclui Requião Filho.

Quem é o diretor de Inteligência

 
 

O diretor de Inteligência da CGE é Medhi Moazen, nascido no Marrocos e naturalizado brasileiro em 2020.

Segundo o Portal da Transparência do Governo do Paraná, antes de assumir a diretoria de Inteligência, ele passou pela governadoria, na assessoria do governador Ratinho Junior, e, depois, pela diretoria-geral da Casa Civil.

Em setembro, segundo o portal, recebeu R$ 18.292,05 de remuneração bruta.

Medhi Moazem também é citado no pedido de providência enviado ao ministro da Justiça.

O documento descreve trechos de um vídeo em que Moazem se apresenta como de origem marroquina, que vive no Brasil desde 2013.

No vídeo descrito pelo deputado, Moazem se diz membro de uma família real no Marrocos, com "refúgio religioso diplomático no Brasil".

O deputado também anexa uma entrevista a um canal evangélico publicada em uma rede social, em 2019. No vídeo, o diretor de Inteligência diz porquê está no Brasil.

 

"O que nós decidimos, eu e pastor: nós precisamos de um lugar longe, onde não tem nenhum membro de família, é onde esse país pode me dar um asilo. Nós oramos, oramos, oramos, e veio a ideia 'Brasil', foi a primeira vez na minha vida que eu escutei Brasil, foi 48 horas antes de eu vir para o Brasil", diz Moazem.

 

 

Também de acordo com o Portal da Transparência, Moazen está no cargo de diretor de Inteligência desde agosto deste ano.

 

A criação da Diretoria de Inteligência

 

No site oficial, a CGE informa que criou a diretoria, que também engloba a Corregedoria do Estado, para consolidar o uso da tecnologia e inovação no combate à corrupção.

A Diretoria de Inteligência foi criada em 2021, mas, desde 2019, um acordo de cooperação entre a CGE e a Secretaria de Segurança Pública permite a integração dos serviços para acompanhamento e fiscalização de atos contábeis, financeiros, orçamentários e patrimoniais do governo.

A sede da Controladoria Geral do Estado fica no Centro Cívico de Curitiba. Porém, a RPC apurou que Medhi Moazem também trabalha em outro prédio, no centro da cidade.

O edifício foi alugado pelo Governo do Paraná R$ 1,755 milhão para o período de junho de 2023 a março de 2024.

O jornalista da RPC Narley Rezende foi até o prédio, procurou por Moazem, mas não conseguiu entrar. O edifício não tem qualquer identificação oficial, nem mesmo portaria.veja:

 
 

Um homem, que se identificou como funcionário, saiu pela garagem e conversou com a equipe de reportagem.

Em seguida, o homem liga para Moazem e passa o telefone ao repórter.

Na ligação, o repórter se identifica novamente, explica estar procurando o escritório da CGE, e pergunta se Moazem está no edifício e se poderia conversar com a reportagem. Nesse momento, a ligação cai.(Veja o vídeo no início desta reportagem).

O funcionário entra no edifício e o repórter vai embora. Instantes depois, o funcionário sai correndo atrás do repórter, com o telefone na mão, e diz para falar novamente com Moazem.

O repórter pergunta qual diretoria da CGE funciona no prédio em questão. Moazem responde que é a Diretoria de Inteligência.

Nesse momento, o homem que acompanhava a conversa pergunta se o jornalista estava gravando e toma o telefone da mão dele.

 

Os demais integrantes da diretoria

 

Além de Moazem, três assessores trabalham na Diretoria de Inteligência da Corregedoria Geral do Estado: um deles é Alex Sandro Pacheco.

Alex é policial militar e responde a um inquérito na Vara da Justiça Militar. Ele é investigado por acessos irregulares ao sistema da Secretaria de Segurança Pública do Paraná.

 

A suspeita é de que o policial tenha feito consultas particulares de dados de pessoais sem a comprovação de interesse público.

A Polícia Militar afirmou, em nota, que, por existir indícios de crime, o procedimento administrativo foi convertido em inquérito policial militar.

Segundo a nota, o inquérito foi concluído e encaminhado à Vara da Justiça Militar no fim de agosto. A PM também disse que o documento foi distribuído para conhecimento e análise do Ministério Público no começo de setembro, mas que o órgão ainda não se manifestou.

A polícia disse que aguarda a conclusão da Justiça para depois analisar a situação disciplinar do policial.

O Ministério Público do Paraná (MP-PR) informou, em nota, que a investigação a respeito do policial Alex Sandro Pacheco está em andamento e que vai analisar na íntegra os elementos produzidos.

 

O que dizem os citados

 

A RPC pediu ao Governo do Paraná uma entrevista com um representante da Controladoria Geral do Estado.

A RPC também tentou falar nesta quinta-feira com Alex Sandro Pacheco e com o diretor de Inteligência e Informações Estratégicas da Controladoria Geral do Estado, Medi Moazen. Ao ligar na CGE, a secretária informou que ambos não estavam no local.

 

Um dos assessores da diretoria da CGE disse que precisava de uma autorização da assessoria do governo estadual para agendar as entrevistas. Novamente em contato com o governo, a assessoria disse que a resposta seria por meio de nota. Leia a íntegra:

"A Diretoria de Inteligência da Controladoria Geral do Estado tem como atribuição o cruzamento de bancos de dados abertos de diversas instituições, a fim de identificar, por exemplo, possíveis fraudes em composição societária de participantes em licitações do Governo do Estado.

Cabe também a este setor, por exemplo, a análise de vínculos familiares, com intuito de impedir o nepotismo na máquina pública.

Outra atribuição é o desenvolvimento de ações de combate e enfrentamento à corrupção e a condutas inadequadas de servidores públicos estaduais, sejam eles concursados ou cargos em comissão.

Para este trabalho, a diretoria utiliza sistemas como SIGO (Sistema Integrado para Gestão de Ouvidorias), E-protocolo e sistema próprio de administração do Observatório de Despesa Pública, para registros de demandas e informações consultadas de bases abertas e due diligence, atendendo ao previsto pela legislação.

A CGE não utiliza nenhum sistema de monitoramento de celular. Essas ferramentas são utilizadas exclusivamente pelas forças policiais do Estado, somente com autorização judicial.

 

Quanto ao projeto Harpia, o mesmo está em desenvolvimento e ainda não foi implantado. A ideia é que seja utilizado pela CGE para alertas sobre as etapas de processos em andamento no Estado, como os de compras por meio de licitação.

A contratação dos profissionais que atuam na CGE considera critérios técnicos e a competência para desenvolver as atividades, que se restringem à esfera administrativa. Todos os servidores do governo do Estado passam por triagem, que tem como base as exigências da Lei da Ficha Limpa.

A CGE mantém análise permanente da atuação de seus colaboradores.

Importante lembrar que os mecanismos e diretrizes legais utilizados pela CGE na prevenção à corrupção contribuíram para que o Paraná fosse reconhecido como o único estado do Brasil com a Transparência Diamante pelo Programa Nacional de Transparência Pública."

Mais perguntas feitas ao Governo do Paraná

A RPC questionou o Governo do Paraná sobre o diretor de Inteligência da Controladoria, Mehdi Mouazen. Foram pedidas informações sobre quem o indicou para o cargo e qual o currículo dele para assumir a diretoria.

O governo também foi questionado sobre a nomeação de Alex Sandro Pacheco para o cargo de assessor, mesmo respondendo a processo na Justiça Militar.

 

Porém, a nota enviada não responde às perguntas sobre os dois e não responde sobre o aluguel do edifício e o que funciona nele.

Comentários

Chat Online