Retórica do autoexílio de bolsonaristas radicais faz uso político da liberdade de expressão
Retórica do autoexílio de bolsonaristas radicais faz uso político da liberdade de expressão
Por Administrador
Publicado em 05/06/2025 07:57
JUSTIÇA
Discurso de liberdade é usado como pretexto por foragidos para escapar da Justiça, em meio à tensão entre extremistas e o judiciário

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL/SP) se licenciou e foi para os Estados Unidos articular sanções contra o ministro Alexandre de Moraes: exemplo de extremista que usa o discurso da liberdade de expressão para cometer crimes e tentar escapar da justiça.

A ida do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL/SP) aos Estados Unidos para articular sanções contra o ministro Alexandre de Moraes e outros membros do Supremo Tribunal Federal (STF) reacendeu o debate sobre o uso do discurso de “perseguição política” como estratégia para evitar responsabilizações judiciais no Brasil.

A movimentação ganhou ainda mais repercussão com a fuga da também deputada Carla Zambelli (PL/SP). Ela, como Bolsonaro, alega perseguição política. É um padrão que, para o advogado e professor de Direito Penal Pierpaolo Cruz Bottini, carece de fundamento jurídico e confunde liberdade de expressão com imunidade penal, ignorando os limites estabelecidos pela legislação brasileira.

Apesar do deputado Bolsonaro não figurar nas denúncias pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e nem estar até então sob investigação, ele se soma a casos como os de Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio e Paulo Figueiredo. Todos são investigados por incitação ao golpe e ataques às instituições democráticas que se mantêm no exterior, sustentando uma retórica de autoexílio.

Já, Zambelli – condenada por invasão hacker aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e por falsidade ideológica – segundo analistas políticos, estaria “surfando na onda”.

Vendo uma situação irreversível, sem contar ainda com o processo que responde por ter perseguido um jornalista com arma em punho por ter se sentido ofendida, a deputada estaria na busca de uma narrativa para sobreviver fora do cárcere.

Liberdade de expressão?

Retórica do autoexílio de bolsonaristas radicais faz uso político da liberdade de expressão

Bottini: “A liberdade de expressão é um direito fundamental, mas tem limites. No Brasil, fazer discurso de ódio, apologia ao crime, incitação ao racismo ou violação da honra e da privacidade está fora desses limites”

Foto: Marcelo Menna Barretto

Doutor em Direito e professor livre-docente do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Universidade de São Paulo (USP), Pierpaolo Bottini foi secretário de Reforma do Judiciário no Ministério da Justiça durante a gestão de Márcio Thomaz Bastos.

Bottini destaca a diferença entre os sistemas jurídicos brasileiro e norte-americano, frequentemente confundidos por quem alega estar sendo perseguido por suas opiniões. “A liberdade de expressão é um direito fundamental, mas tem limites. No Brasil, fazer discurso de ódio, apologia ao crime, incitação ao racismo ou violação da honra e da privacidade está fora desses limites”, pontua.

Ele observa que muitos dos que se dizem perseguidos baseiam sua defesa em uma interpretação da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Esse dispositivo garante liberdade de expressão quase irrestrita, “mas o Brasil tem outra Constituição, outra legislação. Aqui, racismo é crime, e não há brecha para aceitá-lo como liberdade de opinião”, destaca.

O jurista lembra que nos Estados Unidos já houve caso em que foi permitida a queima de uma cruz em um pátio, um ato de supremacistas brancos em provocação a negros. “Aqui, nossa legislação entende como um ato racista”, distingue.

Para exemplificar o que define como liberdade de expressão “quase irrestrita”, Bottini aponta que “gritar ‘fogo!’, dentro de um teatro”, seria, no caso, passível de uma condenação nos Estados Unidos.

Denúncia X Obstrução

Sobre o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro, Bottini diferencia duas situações: “É legítimo denunciar suposta perseguição política no exterior. O que não se pode fazer é instrumentalizar outro país para constranger ou punir um juiz brasileiro”. Segundo ele, isso pode configurar obstrução de justiça.

É exatamente o que está sendo investigado agora. No último dia 26 de maio o STF atendeu ao pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para abrir um  inquérito para identificar se o parlamentar está ou não promovendo coação e tentativa de obstrução de Justiça.

Mesmo os argumentos de Carla Zambelli, que já manifestou a ideia de se radicar na Itália onde entende ser “intocável” devido a sua dupla cidadania, são relativizados por Bottini. Segundo ele, embora alguns países não extraditem seus cidadãos natos, o caso de Zambelli deve ser analisado com base nos tratados bilaterais entre Brasil e Itália. “Essa intocabilidade não é absoluta. É preciso avaliar se há espaço jurídico, dentro dos tratados vigentes, para que o Brasil solicite sua extradição e para que a Itália eventualmente a conceda”, explica.

O jurista destaca que Zambelli, no momento em que deixou o país, não tinha nenhuma medida judicial que a impedisse de sair. “Naquele momento, ela não cometeu nenhuma irregularidade. Agora, quando decide não voltar diante de uma condenação ou medida cautelar, ela passa a se subtrair à aplicação da lei penal. A partir daí, pode-se considerá-la foragida”, registra. Agora, a situação ensejará medidas internacionais como alerta vermelho da Interpol e o próprio pedido de extradição.

Allan, Eustáquio, Figueiredo e outros

Retórica do autoexílio de bolsonaristas radicais faz uso político da liberdade de expressão

Allan dos Santos, Paulo Figueiredo, Zambelli e Eustáqui, radicais foragidos

Fotos: Roque de Sá/Agência Senado; Reproduções; e Lula Marques/ Agência Brasil

Outros nomes do bolsonarismo radical se mantêm no exterior alegando perseguição política para escapar de processos no STF. Entre os mais conhecidos estão Oswaldo Eustáquio, Allan dos Santos e Paulo Figueiredo. Todos têm históricos de envolvimento em ações antidemocráticas ou de desinformação.

Figueiredo, ex-comentarista político da Jovem Pan e neto do último presidente da ditadura militar, o general João Figueiredo, não pode exatamente ser considerado um foragido, já que é radicado nos Estados Unidos há mais de uma década.

Eustáquio possui dois mandados de prisão preventiva decretados pelo STF por crimes como ameaça, corrupção de menores e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Segundo a PGR, ele utilizou até sua filha de 16 anos em publicações com ataques a policiais federais.

Apesar de não estar no Brasil no dia 8 de janeiro de 2023, ele foi incluído nas investigações por ter atuado na organização e estímulo de atos golpistas. A Espanha já rejeitou dois pedidos de extradição com base no princípio da dupla tipificação penal.

Allan dos Santos, investigado nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, evadiu-se para os Estados Unidos em 2021 após ter prisão preventiva decretada. É acusado de disseminar informações falsas, fomentar ataques contra instituições e forjar conversas de uma jornalista que sugeria um plano da PF para prender o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL/RJ), tudo isso para desinformar seu público.

Apesar dos pedidos de extradição, há resistência por parte das autoridades norte-americanas, que consideram que as acusações contrariam os princípios da liberdade de expressão do seu país.

Figueiredo é o único dos três que figura formalmente entre os indiciados no STF na tentativa de golpe de Estado que visava impedir a posse do presidente Lula. Ele é acusado de integrar o núcleo responsável por desinformação e propaganda golpista, além de incitar militares.

O neto do último presidente da ditadura pode ser julgado à revelia, já que o STF alega que ele não foi encontrado para ser citado e, mesmo sob toda a publicidade do caso, não se manifestou, nem apresentou defesa.

Existe ainda outros foragidos que deixaram o Brasil após julgamento dos eventos de 8 de janeiro de 2023. Ao todo, 62 pedidos de extradição foram enviados à Argentina, onde cinco brasileiros já estão presos.

Nos Estado Unidos, quatro brasileiras foram detidas ao tentar entrar ilegalmente no país e aguardam extradição. Na mesma toada de Bolsonaro, Zambelli, Allan, Eustáquio e Figueiredo, alegam perseguição política e tolhimento da sua liberdade de expressão como justificativa.

O jurista e professor da USP, Bottini, no entanto, reforça que o uso político da liberdade de expressão não pode servir de escudo para a prática de crimes. “Você pode dizer o que quiser, ainda que seja uma estupidez, desde que não ofenda a honra de ninguém, nem faça apologia ao crime ou discurso de ódio. Os limites são claros”, conclui.

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